DIREITO PARA AUTISTAS

Crianças autistas tem direito a tratamento multidisciplinar pela intervenção ABA custeado por operadores de planos de saúde

 

Os planos de saúde devem custear todo tratamento prescrito pelos médicos às crianças autistas. O mencionado entendimento foi proferido pela juíza Dra. Carina Bandeira Margarido Paes Leme da 7ª Vara Cível do Foro Regional de Santana no dia 14 de agosto de 2020.

No caso, o menor autista A. H. S. J., representado por sua mãe conseguiu que o plano de saúde Bradesco Saúde S/A fosse obrigado a pagar todo custo de fonoaudiologia, terapia ocupacional, hidroterapia e equoterapia, de maneira contínua, utilizando o método de Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Essa decisão se mostra acertada, pois está de acordo com todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Na imensa maioria de processos desta natureza, os planos de saúde sustentam a tese de que no contrato firmado junto aos consumidores não há previsão de cobertura dos tratamentos, pois não estão incluídos no rol de procedimentos com cobertura obrigatória pela Agência Nacional de Saúde (ANS), rol este que sustentam ser taxativo, quer dizer, os planos de saúde só seriam obrigados a custear os tratamentos previstos literalmente no rol da ANS.

Esta tese, porém, afronta a previsão estabelecida no artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor que dispõe que “são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade.”

Pelo artigo acima qualquer cláusula que implique em desvantagem excessiva aos direitos do consumidor é nula e, portanto, deve ser totalmente desconsiderada.

Não bastasse essa previsão legal, os Tribunais Superiores estão de acordo com o entendimento de que o rol de procedimentos da ANS é meramente exemplificativo, o que significa que os convênios médicos devem no mínimo cobrir os tratamentos previstos na mencionada lista, mas isso não significa que possam se negar a cobrir outros tratamentos não previstos no rol o que em consequência implica que os planos de saúde não podem impor restrições a determinados tipos de tratamento e tampouco a número de sessões a serem custeados.

A ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi já proferiu voto no qual entre outros brilhantes argumentos constava que “Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor.”

No mesmo sentido o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo pacificou o entendimento na Súmula 102 de que “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.”

Dessa forma, tanto o tribunal paulista quanto os demais tribunais superiores brasileiros prezam pela soberania das decisões médicas que prevalecem sobre quaisquer limitações impostas pelos planos de saúde. De fato, não seria razoável supor que convênios médicos pudessem impor quantidade limitada de sessões, ignorando completamente o diagnóstico e prescrição do profissional que acompanha a criança autista desde seu nascimento

Vale mencionar ainda que os planos de saúde se negam a cobrir o tratamento de crianças autistas em clínicas particulares alegando que dispõem de profissionais capacitados para prestar todo o tratamento das crianças autistas. Esquecem, entretanto que não dispõem de profissionais especializados na ciência A.B.A. (Applied Behavior Analysis traduzido como Análise do Comportamento Aplicada).

Porque ABA?

Não raro, neuropediatras responsáveis pelo acompanhamento das crianças autistas prescrevem diversos tipos de tratamentos a serem realizados pela ciência A.B.A./Denver.

Nesta situação infelizmente vários pais se deparam com um fato intrigante: os planos de saúde não dispõem de profissionais especializados nesta metodologia o que os leva a ajuizarem ações judiciais a fim de que os convênios médicos custeiem integralmente o tratamento em clínica particular que disponha de profissionais especializados no tratamento pela ciência A.B.A.

A mencionada situação encontra plausível justificativa científica: a intervenção A.B.A é mais eficaz para o melhor tratamento do menor para que possa se desenvolver perante a sociedade.

No artigo “Intervenção precoce em crianças com autismo: modelo Denver para a promoção da linguagem, da aprendizagem e da socialização” a psicóloga Thaise Lohr elabora uma resenha a respeito do livro “Intervenção precoce em crianças com autismo: modelo Denver” para a promoção da linguagem, da aprendizagem e da socialização em que apresenta o programa ESDM – Early Start Denver Model, para intervir com crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Além dos esclarecimentos de como foram realizados os estudos, Thaise ressalta que “os resultados dos estudos descritos apontam para a eficácia da intervenção embasada no modelo ESDM. Porém, ao longo do livro é várias vezes mencionada a intervenção ABA (Applied Behavior Analysis traduzido como Análise do Comportamento Aplicada), a qual é consagrada tanto no exterior como no Brasil como importante abordagem para o trabalho com crianças com autismo.

Vários dos processos de ensino apresentados pelos autores do livro são baseados nos princípios da análise do comportamento.

Em outra passagem, assevera que “o cuidado dos autores do livro em mencionar que a intervenção tem como base os princípios da ABA ressalta um cuidado ético em atribuir os créditos da essência do método apresentado a uma abordagem já consagrada e com resultados positivos no manejo da criança com autismo.”

De fato, os genitores das crianças autistas têm razão na luta pelos direitos de seus filhos. A ciência A.B.A. se mostram indispensáveis na maioria dos tratamentos realizados a fim de viabilizar a adaptação de seus filhos no convívio social.

Luz no fim do túnel

Embora ainda sejam ajuizadas inúmeras ações judiciais, recentemente houve importante conquista aos direitos das crianças autistas.

Isso porque no dia 21 de maio de 2021, a Justiça Federal de São Paulo concedeu liminar obrigando planos de saúde a cobrir determinados tratamentos para crianças autistas;

A decisão obriga planos de saúde a custearem integralmente e sem limitação de sessões todo tratamento de fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicoterapia para crianças autistas

Apesar do fato de que a decisão se limita ao Estado de São Paulo e não especifica o método a ser utilizado nos tratamentos, possibilitando que convênios médicos ainda indiquem clínicas com profissionais inabilitados ao tratamento das crianças autistas, ainda assim a decisão representa uma grande vitória às crianças autistas para as quais se vislumbra um horizonte mais otimista.

No conceito aristotélico de igualdade, devemos tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de sua desigualdade.

O fator de desigualdade de crianças autistas não as torna menos capacitadas ao convívio social, pelo contrário, à medida em que se adaptam à sociedade com os tratamentos mais eficazes, sua desigualdade se mostra em forma de habilidades extraordinárias presenciadas diariamente por seus pais.

POR LUIZA MONTEIRO LUCENA OAB/SP 423977

 

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